Esse artigo é fruto de
reflexão e perguntas de alunos em sala de aula ao longo de alguns anos. Porém a
real motivação em escrever sobre o assunto no blog foi uma experiência ruim que tive recentemente. Ao encontrar um conhecido, o Rev. St.Andéol[1]
(nome fictício), o cumprimentei, conforme meu costume, dizendo: Boa Tarde
Reverendo! Para minha surpresa e vergonha, o Sr respondeu: “Reverendo não, pois
Reverendo é só Jesus”! Bom, como respeito e cordialidade são atitudes cristãs,
respondi brincando que Jesus é Reverendíssimo[2]
e parei por aí, envergonhado de tamanha ignorância espiritual e intelectual.
Não sei o real motivo dessa reação, mas é fato que para algumas pessoas a
motivação é filosófica ou teológica, por isso vale a pena escrever sobre o
assunto.
Uma das características
da pós-modernidade é a rejeição por títulos, instituições e compromisso com a
ordem. Já se tem provado através de pesquisas e dissertações que a luta na
pós-modernidade é desestruturar os dogmas e as tradições que surgiram ao longo
da história. Essa postura tem criado em algumas pessoas uma ojeriza[3]pela
formalidade ou pela ordem estabelecida. O ideal é vivenciar todas as coisas de maneira
informal e espontânea, isso se aplica também às questões religiosas.
Essa ideologia já
adentrou no campo religioso e familiar. É evidente a desordem e o
entretenimento nos cultos por aí e um número considerável de pessoas rejeitando
a história da igreja e sua tradição. O objetivo do artigo não é refletir sobre
culto e tradição, mas sobre a questão de um título que vem sendo rechaçado por
alguns, e não por humildade ou modéstia, mas para estabelecer o dogma da
informalidade. Não tenho o objetivo de preferir títulos ou absolutizar uma
hierarquia, mas combater esse movimento da informalidade que tem feito tanto
mal à vida da Igreja e ao ministério sagrado.
Tenho sido educado em
minha formação e nos estudos da história da igreja e na história e tradição da
minha denominação a honrar meus líderes. Assim como na estrutura de autoridade
civil, a Bíblia ensina a honrar e respeitar as autoridades eclesiásticas, tanto
uma como a outra são ministros de Deus para nosso bem (Rm 13). Essa honra deve
ser em obediência e submissão, mas também atribuindo a essas autoridades
títulos honrosos. Já imaginou os fariseus, chamando Jesus de Rabi e Ele respondendo
como o Rev.St Andéol? Não, Jesus sabia ser humilde sem rejeitar honra e estima!
No caso das autoridades
civis se utiliza títulos para honra e para determinar seu grau na hierarquia. O
grau é conquistado pelo trabalho desenvolvido, estudos preparatórios, tempo de
serviço, alguma conquista, entre outros critérios. Em relação as autoridades
eclesiásticas há uma certa diferença, mas nem tanto.
Biblicamente falando as
palavras revelam mais a função do individuo do que um título hierárquico. Aqui
está o caso de pastor, presbítero e bispo. Parece-me que somente no caso dos
doze apóstolos isso muda, pois o título para os doze revela a função e a
autoridade hierárquica. Eles são as colunas pela qual a Igreja é edificada. No
caso dos outros chamados apóstolos, estes a palavra revela somente a função
como enviados (missionários).
É por causa da função
que exercem e em resposta à vocação divina que são dignos, não apenas de duplos
honorários (financeiramente), mas de notável honra. São homens nobres, que
velam pelas almas e se afadigam no Ministério da Palavra. Não é sem motivo que
o Apóstolo registra: “E rogamos-vos, irmãos, que reconheçais os que trabalham entre vós e que presidem sobre vós no
Senhor, e vos admoestam; e que os tenhais
em grande estima e amor, por causa da sua obra. Tende paz entre vós” - 1Ts
5.12-13. Considerar em grande estima também é demonstração de respeito e
autoridade, assim é que se emprega o título Reverendo aos nobres pastores de
Cristo.
Essa honra aos
Ministros da Palavra ao longo da história da Igreja é a titulação de Reverendo.
Algumas igrejas históricas se utilizam deste título por entender que a
titulação pastor não é adequada, pois essa não é título e nem todos os chamados
pastores cuidam de rebanho, alguns exercem funções administrativas, apenas a
docência ou cargos em autarquias. O título pastor foi adquirindo preferência
nas igrejas evangélicas e passou a fazer parte do vocabulário protestante, por
isso alguns irmãos e igrejas se utilizam do título reverendo apenas por ser uma
expressão honrosa e permanecem com a função pastor em forma de titulação.
Em minha denominação
(ICEB), a titulação segue o modelo das igrejas históricas. No início havia
forte ênfase no ministério leigo e assim permanece valorizando o mesmo; mas
desde que a igreja começou a se organizar que se convencionou a titular o
obreiro formado e ordenado à Reverendo. O título permaneceu na união com os
Congregacionais (1942-1969) e permanece em honra ao pastor ordenado. Nossos
documentos revelam que em todas as épocas, pelo menos, desde a década de 1920
até hoje os Ministros são honrados como Reverendos.
Se o Ministro da
Palavra, também reconhecido oficialmente como Pastor é digno de honra, porque
depreciar um título de respeito e autoridade? Que proveito e edificação há em
depreciar ou rejeitar um título honroso? O Ministério não é uma honra? Não é
digno aquele que aspira o episcopado?
O título de Reverendo é
uma forma de reconhecer também a dedicação daquele que percebendo sua vocação,
deixa seus sonhos e sua vida comum para ingressar ao preparo formal para servir
no ministério. Tantos anos de estudos e renúncia de si mesmo, que sua
ordenação, coroando a vocação sagrada é acompanhada de titulação. A vocação e a
função pastoral são soberanas e graciosas, mas o título é por mérito – de
alguém que se santifica e dedica para melhor servir ao Senhor e a Sua Igreja.
Alguns alegam que o
título traz uma certa distância do rebanho. Se isso fosse verdade deveria o ser
em tempos passados também. Há intitulados pastores mais distantes do rebanho do
que se possa imaginar.
Queridos irmãos, o
problema não está no título ou em roupas formais e sim no coração. O título ou
a vestimenta não forja o caráter de ninguém, mas sim sua conversão e santidade
ou a falta destes. É sobre isso que Jesus nos adverte em Mt 23.1-12.
Recebendo o título de
Reverendo ou apenas Pastor, o que importa é ser a imagem de Cristo e ser
encontrado fiel, como despenseiro do Evangelho e em pleno serviço e amor à
Igreja. Tenho certeza que a informalidade é mais prejudicial e conduz à
libertinagem, enquanto a autoridade e ordem, conduzem à reverência e glória de
Deus!
Alguns não se sentem a
vontade com o título e isso é bem compreensivo, também não me sinto a vontade
com o uso de vestimentas litúrgicas. Tenho amigos que particularmente me pedem
para chamá-los apenas de pastores ou pelo nome, isso é legítimo e não há nenhuma
necessidade de depreciar o título e a tradição cristã. Mesmo não me agradando
das vestimentas litúrgicas não desonro ou rechaço quem se utiliza desse recurso
corretamente.
pr. Glauco
Pereira
Quero anexar ao artigo
uma reflexão bem coerente do Rev. Odayr Olivetti.
SOBRE TÍTULOS DOS PASTORES
Pergunta nº 29
– “Por que os pastores têm o
título de ‘reverendo’, sendo que tal título não é bíblico?”
Resposta: vamos por
partes:
1. Não são somente os pastores
presbiterianos que usam esse título. Desde muitos séculos atrás, esse título
foi adotado para designar os clérigos. Encontramo-lo na Igreja Católica Romana,
na Igreja da Inglaterra (Anglicana), nas igrejas episcopais, metodistas, etc.
Na Inglaterra, por exemplo, somente alguns dissidentes, ou seja, somente
algumas igrejas livres, separadas da igreja oficial do país, é que rejeitam o
uso desse título. Assim é que, naquele país, mesmo entre os batistas há grupos cujos pastores usam o título de
reverendo.
2. Pensemos um pouco em alguns títulos
explicitamente bíblicos. Vamos nos restringir aos seguintes: anjo, pastor,
mestre, guia (Ap 1.20; 2.1; Ef 4.11; Hb 13.7,17).
a) Quanto sabemos, “anjo” não foi adotado por igreja alguma, por uma
série de razões imagináveis, entre as quais esta: o desenvolvimento errôneo da
representação dos anjos na crença e na prática do romanismo, desfigurando os
vigorosos mensageiros do Senhor.
b) “Pastor”, título muito simpático e que expressa as funções básicas
dos ministros e de outros obreiros – alimentar, guiar, proteger e disciplinar o
rebanho. É adotado por algumas denominações, e não deixa de ser utilizado de
maneira menos formal e mais coloquial pelos presbiterianos e outros.
Contudo, analisando-se bem a questão
relacionada com esse título, notam-se alguns motivos de objeção ao seu uso como
título específico dos ministros da Palavra. Vejamos:
1º - Sl 23.1 – É utilizado com
referência à Divindade: “O Senhor é o meu pastor”. Em Jo 10.11,16; Hb 13.20; 1
Pe 2.25, etc., Jesus Cristo é chamado pastor.
Não causa espécie dar a uns pobres
mortais, “vasos de barro”, na expressão de Paulo, um título que é dado a Deus
Pai e a Deus Filho?
2º No caso da descrição das atividades
na igreja e da igreja, “pastor” é palavra mais descritiva de funções, não
título peculiar a uma dada categoria de pessoas. Note-se que no Antigo
Testamento Deus se refere a um pagão como Seu pastor (Is 44.28). Em At 20.28 e
em 1 Pe 5.1,2, se vê que não são somente os ministros da Palavra que exercem
funções pastorais.
c) “Mestre”. Nas várias denominações evangélicas há pastores que são
chamados “mestres”, ou porque fizeram mestrado em algumas disciplinas
acadêmico-teológicas, ou porque são professores em seminários e institutos
bíblicos, ou porque obtiveram o grau de doutor em algum curso teológico, sendo
que, lexicamente, mestre, professor e doutor são sinônimos. – Mesmo
denominações que repudiam o título de “reverendo” para os seus ministros, não
se acanham de lhes permitir ou lhes dar o título de “mestre” ou “doutor”.
Entretanto, Jesus Cristo vetou o uso desse título, dizendo: “Vós, porém, não
sereis chamados mestres, porque um só é vosso Mestre, e vós todos sois irmãos”
(Mt 23.8).
d) “Guia”. Expressando pouco mais pouco menos o que a palavra
“pastor” expressa, sendo, porém, palavra menos rica do que “pastor”, o título
“guia” sofre a mesma objeção que atinge a palavra “mestre”, pois Jesus ordenou:
“Nem sereis chamados guias, porque um só é vosso Guia, o Cristo” (Mt 23.10).
3. As palavras ligeiramente antes
consideradas são significativas e envolvem habilitação, autoridade, poder. Sem
essas qualificações, como pode o pastor pastorear, o mestre ensinar e o guia
guiar?
Ora, esses títulos,
dados e aceitos no seio da igreja cristã, requerem atitude respeitosa e
disposição para a obediência por parte dos membros da igreja. Os que
não se dispõem a se colocar na posição de cordeiros e ovelhas, não respeitarão
o pastor e não obedecerão à sua voz; os que não se dispõem a se colocar na
posição de discípulos ou alunos, não respeitarão o mestre ou doutor, e não
seguirão as suas instruções. Os que não se dispõem a se colocar na posição de
pessoas guiadas, conduzidas, dirigidas, não respeitarão o guia e não seguirão
as suas indicações e a sua direção.
Observe-se como as
ideias de respeito e de obediência estão presentes em qualquer desses títulos,
ou de outros semelhantes, que se queira dar ao ministro da Palavra.
Ora, o significado
primário da palavra “reverendo” é este: “digno de ser reverenciado ou
respeitado” (Caldas Aulete).
Além das
considerações feitas até aqui, os cristãos fiéis e os homens em geral devem ser
tratados com honra (Fp 2.29; 1 Pe 2.17), o que por certo não exclui os
ministros desse tratamento honroso. Mas, de modo especial, as referências e
descrições bíblicas favorecem a ideia de que os ministros de Deus devem ser
respeitáveis (responsabilidade deles) e respeitados (responsabilidade dos
outros). Ver, por exemplo, Êx 3.10-14; Nm 12.1-10; 14.1-12; 16.1-5,28-33; Mt
10.14,40-42; Jo 12.26; 1 Tm 5.17; Hb 13.7,17.
Destaques:
a) 1Tm 5.17 – Os presbíteros que presidem bem, com
especialidade os que se afadigam na palavra e no ensino (presbíteros
docentes; responsáveis por fazer o que está registrado nessa parte da
passagem), são considerados merecedores de dobrada honra, ou de
dobrados honorários (responsabilidade dos membros e dos demais
oficiais da igreja).
b) Hb 13.7,17 – “Lembrai-vos dos vossos guias, os quais vos pregaram
a palavra de Deus; e considerando atentamente o fim da sua vida”
(responsabilidade dos guias), “imitai a fé que tiveram” (responsabilidade dos
outros crentes). “Obedecei aos vossos guias, e sede submissos para com eles”
(responsabilidade dos membros e oficiais da igreja); “pois velam por vossas
almas, como quem deve prestar contas” (responsabilidade dos ministros de Deus).
“Imitai a fé” e “Obedecei... sede
submissos” exigem humildade, respeito, consideração.
Portanto, não é antibíblico dar o
título de reverendo aos pastores.
c) Mesmo porque, os ministros do Evangelho sabem que toda e qualquer
honra que recebam pertence a Deus e a Deus a transferem, no espírito de
passagens como Sl 115.1; 1 Co 1.10,31 e Rm 11.36.
O ministro que se pavoneia por causa
dos privilégios do ministério, como se ele fosse o tal, está abusando, e lembra
o burro da fábula: Transportou no lombo, pelas ruas da cidade, relíquias que
faziam os transeuntes pararem e se dobrarem respeitosamente. O burro ficou
cheio de si. Qual não foi seu espanto, quando, ao voltar, já sem as relíquias
no lombo, em vez de gestos reverentes recebeu pedradas!
Finalizando, os
títulos em si nada são. Deixemos que cumpram a sua tarefa de designar funções,
de distinguir carreiras e de credenciar habilitações formais, estabelecendo
certa norma de relações e de serviços na igreja.
Odayr Olivetti, Consultório
Bíblico, (São Paulo: Cultura Cristã, 2008), 49-52
[1]
Segundo a tradição Andéol
foi enviado como missionário ao sul da França pelo Bispo Policarpo, cidade que
hoje leva seu nome e que tive o privilégio de conhecer em 2013.
[2]
O título Reverendus (Latim)
pode ser aplicado à Jesus, pois uma possível tradução é reverência como
devoção. Como as outras possíveis traduções são respeito e honra, a igreja se
utiliza como termo eclesiástico. Podemos encontrar muitas citações em
documentos na idade média.
[3] Sentimento de repulsa, repugnância, provocado por variados
motivos; antipatia, aversão. In: http://www.dicio.com.br/ojeriza/ -
31/12/2013.
Pr. Glauco Pereira, Paz. Sou pastor responsável de uma Comunidade Evangélica, fui consagrado por um ministério sério, porém, por questões políticas, me vi obrigado a prosseguir sozinho (posteriormente posso melhor explicar). Gostaria de saber se posso utilizar a termologia de Reverendo. Pr. Marco
ResponderExcluirExcelente Texto! 👏👏👏
ResponderExcluirEstá certo bem redigido e editado
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