A década de 1960 é uma década bastante
importante para a história da igreja na América Latina, os conflitos militares
com seus golpes e o aumento da injustiça social estão chegando a um nível
surpreendente. Os habitantes do continente Sul-americano estão começando a
viver uma etapa desesperadora em suas vidas, a cada momento surgem notícias de
surgimento de comunidades novas que estão ficando a margem da sociedade,
aumenta a migração do campo para a cidade e as famílias que tinham uma
estrutura firmada em seus valores éticos e tradicionais estão se perdendo
diante de mudanças cada vez mais rápidas.
Esse período também é marcado pelo início
das imigrações de estrangeiros que fugindo de seus países em busca de uma vida
melhor e emprego embarcam para a América, inclusive o Brasil. Esses grupos
iniciam suas colônias ou comunidades étnicas e fazem parte de uma classe de
pessoas que são objetos de exploração e humilhação por parte das classes
dominantes.
É neste contexto que surge uma “nova
abordagem na teologia”. Alguns teólogos que insatisfeitos com os métodos
tradicionais começam a desejar o que é chamado de teologia contextual. Nessa
perspectiva alguns conseguem enxergar uma falha na teologia, eles vêem que a
teologia até o momento é muito teórica e não consegue alcançar seu objetivo e
promover mudanças na sociedade, melhorando a vida das pessoas oprimidas,
argumento semelhante aos do Pietismo.
A teologia convencional é imposta pela
cultura européia ou vinda do “atlântico norte”. Assim a partir dessas necessidades e das
experiências com povos menos favorecidos surge uma nova reflexão sobre teologia
e prática (práxis).
Segundo o Dr. Jung Mo Sung, um teólogo
católico e Professor da Universidade Metodista “essa prática nasce de uma
experiência com o pobre, experiência que cria uma indignação e que pede uma
ação em favor do necessitado”.
Essas experiências e desafios no
contexto de pobreza conduzem esses teólogos a uma reflexão bíblica não a partir
da dogmática ou outros sistemas de teologia, mas a partir dessas experiências e
de um estudo mais detalhado das ciências sociais e da convivência com esses
povos oprimidos. Através dessa abordagem nasce na América Latina a teologia da libertação.
Uma teologia que brota de um contexto
de pobreza já era elaborada sem reconhecimento por Richard Shaull, um teólogo
protestante e missionário, com sua teologia da revolução, onde Shaull elabora
uma mudança cultural no contexto sócio-político da sociedade. Shaull quando era
Missionário na Colômbia teve um encontro marcante com o Marxismo, encontro
através de leitura e que segundo ele mudou sua vida. Porém o grande nome da teologia da libertação
é Gustavo Gutiérrez, um teólogo católico e muito envolvido em questões sociais,
veremos mais a seguir.
ENTENDENDO
A TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO
A teologia da libertação tem muitas
faces, alguns preferem chamar de teologias de libertação, pois cada “escola”
tem sua própria metodologia e interpretação, porém todas essas manifestações
giram em torno de um mesmo propósito; a libertação sócio/política do oprimido.
Alguns ramos mais tradicionais católicos ou protestantes trabalham com uma
definição mais abrangente de libertação sócio/político/religioso.
Uma definição bastante interessante de
teologia da libertação é caracterizada por Rubio:
“A
teologia da libertação é um movimento que visa à unidade da ação humano-cristã
na situação atual de dependência e subdesenvolvimento injusto da América-Latina,
envolvendo observações e julgamentos e procurando conscientização e eficácia. A
teologia da libertação é, portanto, uma interpretação dos sinais dos tempos
devidamente escolhidos, como são todos os sinais dos tempos que tende a uma
profunda modificação das estruturas econômicas e sócio-políticas, a fim de que
o homem esmagado e explorado, marginalizado e faminto, do continente, venha
promover-se homem livre”.
Podemos definir a teologia da libertação
como um movimento que decide levar sua ação pastoral optando pelos pobres, a
mesma não é um compendio de dogmas e discussões teológicas, mas uma teologia
práxis que visa uma teologia teórico/prática.
Sendo definida como um movimento, há
quem considera a teologia da libertação como um profetismo que denuncia as
injustiças e opressões ao ser-humano.
A teologia da libertação se da em
paises chamados terceiro mundo, esses são paises que clamam por uma ação
pastoral mais efetiva devido às explorações pelas grandes potencias. Essa Teologia
inicia-se de uma reflexão latino-americana sobre a realidade e a ação pastoral,
buscando uma espécie de revelação, porém essa revelação não é algo sobrenatural
entregue por Deus, mas uma revelação que parte da experiência com o pobre e sua
busca por libertação.
A teologia da libertação pode ser
definida também a partir de uma reflexão de Igreja/Reino de Deus. Alguns
teólogos levam isso muito à sério principalmente aqueles que acreditam ser a
igreja o reino de Deus, para esses a teologia da libertação foi à busca por
estabelecer o reino de Deus e expandir o reino ao mundo através da libertação
sócio/política. Para outros como no caso de Leonardo Boff a igreja tem a mesma
missão e mensagem de Cristo que vai aos poucos realizando o reino de Deus no
meio dos homens, até chegar a sua plenitude.
A busca pelo reino de Deus na teologia
da libertação não é algo futurístico e passível, mas um acontecimento presente
que vai aumentando na medida que a libertação se realiza.
Portanto a teologia da libertação deve
ser vista como uma busca de libertação com opção pelos pobres que se da na
realização sócio/política/religiosa. A teologia da libertação não trabalha para
libertar em si, mas para que o oprimido busque sua própria libertação, através
do Cristo Libertador e ações sociais.
UMA
PERSPECTIVA CATÓLICA
O nome conhecido com fundador ou
mentor da teologia da libertação é Gustavo Gutiérrez, um teólogo peruano e
sacerdote dominicano.
A teologia da libertação liderada sob
Gutiérrez é tremendamente influenciada pelas reações sóciais de Kant, Hegel e
Marx, também recebeu no inicio forte influência da teologia política européia.
Esse contexto levanta vozes como J.B.Metz, Molltman e Harvey Cox que com suas
criticas a teologia existencial lançam uma nova reflexão sobre o pensamento
sócio/político. Todas essas questões vão atingir Gutiérrez em sua abordagem
teológica e a maneira como vai direcionar sua vida prática como cristão.
Gustavo Gutiérrez define sua teologia
como “a reflexão crítica sobre a práxis
histórica”. Isso quer dizer que uma teologia exige que o teólogo esteja
engajado na sua própria história intelectual e sócio/política.
Para Gutiérrez a teologia não é um
processo repetitivo da sistematização de dogmas e verdades apologéticas, mas
uma abordagem práxis que significa uma formulação teológica a partir de seu
contexto histórico e social.
Essa maneira de fazer teologia muda
completamente à realidade teológica, agora a interpretação teológica não vai
favorecer o capitalismo como vinha sendo, porém irá levar em consideração seu
contexto e as necessidades do ser humano. Para Gutiérrez a teologia como era
feita queria manipular Deus e favorecer os mais “fortes” na sociedade.
A força da teologia da libertação é a
compaixão pelos pobres e Gutiérrez com essa abordagem teológica conquista campo
e “adeptos” por todo o continente.
O mais interessante não são as
doutrinas da teologia da libertação, mas o método usado e como é realizada sua
teologia que é a proposta desse trabalho na perspectiva católica. Esse método
de Gustavo Gutiérrez vai influenciar os demais teólogos que virão e irá
direcionar a teologia da libertação em sua “fundamentação bíblica”.
É importante notar que esse método não
parte da leitura das Escrituras, mas da experiência com o pobre e a maneira de
teologar é bastante aceita pelos teólogos mais liberais e rejeitada por
fundamentalistas tanto católicos como protestantes.
Leonardo Boff é outro teólogo
importante para a perspectiva católica. Boff é muito realista em sua teologia
da libertação, expressão que ele prefere chamar de Teologia do Cativeiro. Boff
afirma que é necessário o mínimo da realidade e reflexão para estarmos aptos a
dialogar acerca da teologia da libertação.
Para Boff a teologia da libertação
deve ser pensada e vivida a partir de uma condição de cativeiro estabelecida
com as injustiças, desigualdades, sistemas políticos ditatoriais, etc. Essa
teologia não nasceu voluntariamente, mas de uma conscientização características
de povos latino-americanos, com essa visão Boff chegará a pensar que a teologia
da libertação é autônoma.
A teologia da libertação para Boff
nasce de uma voluntariedade, porém de uma profunda experiência espiritual: a
sensibilidade e o amor pelos pobres, que compõem as grandes maiorias de nosso
continente. No fundamento da teologia da libertação encontra-se algo místico: “o
encontro com o Senhor no pobre, que hoje é toda uma classe de marginalizados e
oprimidos”, essa é uma linguagem bem característica de Boff. Assim também se
expressa o professor Jung Mo Sung que diz sobre a indignação que surge no ser
humano quando se encontra com o pobre, esse encontro produz duas reações, uma
de abandono ou outra de ação em favor do pobre.
É com essa práxis teológica que Boff
elabora sua teologia e formula suas doutrinas de salvação e eclesiologia, uma
pesquisa que proponho para um trabalho futuro.
UMA
PERSPECTIVA PROTESTANTE
A teologia da libertação é vista em
geral como uma teologia católica, porém seu início como teologia não se deu no
catolicismo. Essa abordagem teológica contextual se inicia com o teólogo e
missionário protestante Richard Shaull.
Shaull inicia suas reflexões através
de sua experiência missionária na América do Sul, ele propõe uma maneira de
libertação muito interessante, devido suas experiências com pobres na
América-Latina. Shaull vem de um contexto bastante pobre nos Estados Unidos,
país onde nasceu e estudou.
Nosso teólogo deixa muito claro que
seus pensamentos são tremendamente abalados quando ele tem um encontro prático
com o marxismo, Eduardo Galasso diz: “É
provável que a questão mais decisiva enfrentada por Shaull e que o desafiou
como nenhuma outra tenha sido, no final da década de 50 e inícios de 60 em sua
atividade na UCEB e ISAL, a de reexaminar seu pensamento sobre a relação entre
a fé cristã e o marxismo”.
Para muitos o marxismo é algo
abominável e simplesmente um movimento anticristão, mas para Shaull mesmo não
concordando com muita coisa do marxismo ele se vê muito desafiado por questões
levantadas pelo marxismo e suas palavras mostram seu sentimento e sua coerência
em assuntos como esse, ele afirma: “meu
encontro com o marxismo não estava fazendo de mim um marxista, mas um cristão
melhor”.
Através dessas experiências teremos
mudanças nos pensamentos de Shaull, que veio florescer através de sua teologia
da revolução. Com uma influência do marxismo ele via que a única possibilidade
de libertação do oprimido era por uma revolução, mas apesar do que muitos
pensam revolução no pensamento de Shaull tem uma nova perspectiva. Ele não queria
travar uma revolução armada ou de classes, mas para Shaull a libertação
começaria quando houvesse uma revolução cultural.
Para ele não havia como ter mudanças
pelos partidos de esquerda ou pela alienação marxista, mas teria que ser um
processo complexo, envolvendo as instituições. É preciso lembrar que Shaull
além de teólogo era sociólogo, então com certeza sabia para onde queria ir.
Para Shaull a comunidade é essencial
nesse processo, pois sua comunhão criada pela fé em Cristo é um elemento que
cria relacionamentos responsáveis mútuos, fazendo uma com que as pessoas se
envolvam politicamente e proporcionem justiça e solidariedade. Shaull valoriza
muito a comunidade no processo de revolução ou libertação e isso se expressa em
seu trabalho na UCEB:
“... a idéia sobre a importância crucial da
comunidade. Para mim, a fé cristã era uma questão de qualidade de vida em
relacionamento, a qual só pode ser experimentada se for vivida. A UCEB oferecia
o contexto no qual essa teoria poderia transformar-se em realidade,
especialmente depois que seus membros se tornaram politicamente ativos”.
Assim como Leonardo Boff, Shaull via
na comunidade uma manifestação ou sinal do reino de Deus que trazia qualidade
de vida as pessoas, algo que o marxismo e nenhuma outra entidade poderia
proporcionar. Quando ele vê as pessoas empolgadas com o marxismo e começam a
deixar a igreja, Shaull enxerga a necessidade de mudar as estruturas da igreja
a fim de agir em favor dos necessitados.
Shaull estabelece uma idéia de
comunidade e reino de Deus que para ele é imprescindível a fim de proporcionar
a revolução, sua idéia é que o reino de Deus está acima de qualquer ordem
política e social e que “através da
participação em comunidade que, orientada pela revelação de Deus, estará envolvida
também no mundo onde ele está agindo”.
Para nosso teólogo a igreja quando
deixa suas estruturas rígidas e se envolve com a sociedade causa revolução,
assim ele vê as revoluções na história como exemplo dessa possibilidade, como
exemplo a revolução puritana inglesa que contesta as estruturas da sociedade.
Shaull também consegue dialogar com o pentecostalismo a qual ele vê uma
possibilidade de envolvimento maior com o pobre, para Shaull o pentecostalismo
é algo bom e com grandes chances de lutar contra a pobreza e desgraça na
sociedade. O pentecostalismo não aceita a pobreza e precisa usar isso como
forma de libertação valorizando a vida.
A vitalidade da fé em pessoas pobres e
envolvidas no pentecostalismo tem um poder transformador muito grande, e esse
movimento se adaptou de forma surpreendende em comunidades pobres.
Rubem Alves é outro nome importante na
perspectiva protestante, sua tese sobre “Towards a Theology of Liberation” foi
uma meditação sobre a possibilidade de libertação. Alves foi tremendamente
influenciado por Shaull, algo que ele expressa dizendo “que o encontro com
Shaull foi um divisor de águas em sua vida”. Alves havia chegado a conclusão
que teologia não é uma busca pelo conhecimento de Deus, seus estudos sobre Moltmann
o fizeram a crer que a teologia da esperança era algo poético e não trazia nada
para a realidade.
Para Alves essa esperança ardia em seu
coração e, portanto, precisava se transformar em algo real e envolver a
política. Para Alves a teologia se transformando em política era trazer os céus
a terra, ou seja, o Reino em forma real mudança à estrutura e realizando
libertação, uma esperança em movimento, lutando por um futuro, por uma
libertação.
Na perspectiva protestante o movimento
não teve tanta expressão e repercussão, porém os nomes envolvidos são
importantes para uma reflexão abrangente sobre o tema, todos esses teólogos
viam na bíblia uma revelação de um Deus libertador, que rompia na história
quando ouvia o clamor dos oprimidos e realizava libertação através de meios sociais
e políticos.
A teologia da libertação é bem
expressiva na Igreja Romana e bem pouca apreciada em grupos evangélicos, mesmo
que o advento da Missão Integral esteja sendo útil para o diálogo entre as
partes.
CONCLUSÃO
E NOTA PESSOAL
A teologia da libertação é um
movimento desafiador, nesses estudos podemos perceber um profetismo bastante
sério que denuncia as injustiças e explorações aos pobres, àqueles que aderem
ao movimento são militantes e buscam realmente uma justiça, mas ao mesmo tempo
vê-se muita “filosofia” e pouca ação. Essa realidade fez alguns dos teólogos
citados abandonarem a teologia e agora se dedicarem ao mundo da ficção e
fantasia.
Precisamos pensar com carinho e
avaliar com cuidado nossas conclusões sobre esse movimento, pois se cremos na
revelação e buscamos andar conforme à vontade de Deus não podemos esquecer que
Deus é o Deus dos pobres.
Muitas vezes na história do povo de
Deus, Ele deixa clara sua preocupação com os marginalizados e exalta aqueles
que lutam por suas causas. É com esse cuidado que precisamos estudar a Teologia
da Libertação e fazer nossas críticas.
A teologia da libertação estabelece um
padrão para sua teologia, que diferentemente da dogmática não está tão
preocupado em partir da leitura da Bíblia, mas sua teologia acontece da
experiência com o pobre e de uma ação baseada nas comunidades pastorais. Para
muitos a teologia da libertação fracassou e agora é a hora de buscar uma nova
visão para o movimento, os teólogos antigos praticamente abandonaram sua luta
teológica ou mudaram seu foco.
A crítica que deve ser feita é que sua
hermenêutica não considera a Escritura como revelação e inspiração. Os teólogos
da libertação estão mergulhados nos pressupostos marxistas e no método histórico-crítico
de interpretação, sempre sugerindo uma nova leitura da Bíblia ou seu abandono
na prática. O existencialismo é o ponto de partida na Missão e a tentativa de
libertação acaba se tornando em utopia e inserção na realidade do pobre, está não
garante a libertação e nem mesmo uma transformação, mas apenas uma super-valorização
de algumas classes sociais em detrimento de outras e uma luta social e política.
Entendo que a verdadeira libertação da
opressão e da injustiça é levar o ser humano à Deus, isto através da pregação
do Evangelho e do discipulado verdadeiro, formando pessoas semelhantes à Cristo
e estabelecendo comunidades transformadas para o culto à Deus e comunhão dos
filhos de Deus. Nossa militância em prol da justiça e libertação plena (salvação
e social), acontece na priorização da pregação da Escritura e no serviço da
Igreja, no qual Cristo faz todas as coisas.
Talvez a perspectiva mais próxima do
que relatei seja a Teologia da Missão Integral, porém esta, partindo da
Escritura e não como alguns já buscam, através do diálogo ecumênico. O
diferencial é a Escritura ou o Cristo revelado na Escritura e não o pobre ou
qualquer marginalizado.
Qualquer teologia que não parte da
revelação, retira a glória de Deus e a transfere ao homem, por isso concluo
afirmando que “Somente a Deus Glória!
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