Introdução:
No
último artigo refletimos sobre a necessidade de piedade e um bom preparo para o
Ministro da Palavra. O pastor/mestre é alguém santo e douto, santo porque é
regenerado e chamado ao ministério sagrado e douto porque serve à Igreja de
Deus por meio da Palavra no exercício da docência. Somente isso seria
suficiente para que a prática ministerial se desenvolvesse “como Deus quer”,
porém a influência do praticismo pietista e do pragmatismo moderno no
protestantismo brasileiro exige uma reflexão sobre a ORTOPRAXIA.
Nós
estamos vivendo um tempo de grande pragmatismo e esquisitices no
evangelicalismo brasileiro. Essas “coisas” podem ser encontradas em
praticamente todas as denominações históricas, comunidades locais que se
deixaram envolver por práticas não bíblicas. A verdade é que estamos sendo
assaltados com inovações sem fundamento bíblico e muitas vezes sem reflexão dos
líderes.
A
pergunta é: “Por que práticas estranhas e os movimentos de crescimento de
igreja conseguem entrar “sorrateiramente”, tomando conta de nossos cultos e
estruturas da igreja? Este assunto tem gerado boas monografias, mas vamos
pensar um pouco em um artigo breve, apenas para instigar o pensamento.
Acredito
que duas respostas são possíveis a essa pergunta, respostas que se tornaram
pressupostos que levam líderes ou uma comunidade a aderir práticas não bíblicas
e de veras, esquisitas:
1º
O pragmatismo religioso
De
maneira muito simples e objetiva, podemos dizer que o pragmatismo nesse
contexto é uma filosofia religiosa, advinda da America do Norte que propõe a
“busca por resultados”. A ideia principal é que a igreja precisa crescer, dar
resultados visíveis, alcançar objetivos, ter uma meta numérica definida. O alvo
dessa proposta é alcançar o fim desejado, independente dos meios utilizados
para isso. “O fim justificam os meios”.
Um
líder ou comunidade influenciado pelo pragmatismo é levado a criar estruturas
eclesiásticas e um culto voltado para resultados. Por exemplo: “pesquisa de
bairro para saber que tipo de igreja as pessoas querem”; “igrejas em células”,
com a necessidade de multiplicação numérica; sincretismo, aderência de práticas
africanas, uso de objetos sagrados; culto voltado para a necessidade das
pessoas, não mais adoração somente a Deus; pregação psicológica, fantasiosa ou
com promessas mercantilistas.
2º
O praticismo
Praticismo
significa: “Ação pratico-utilitária que visa fins imediatos sem reflexão
teórica ou com marco teórico superficial”. O praticismo tem como lema: “só é
útil o que é prático”. No contexto religioso brasileiro, o praticismo tem sido
o ideal de muitos grupos evangélicos e até mesmo de seminários teológicos
influenciados pelo pietismo moderno.
Qual
o pastor ou professor de seminário que nunca ouviu de um aluno: “acho que estou
sendo inútil aqui apenas estudando” ou quando ensina na igreja, assuntos como
oração, caráter de Deus e outra doutrina: “isso é muito acadêmico, gosto de
coisas práticas”. Já me deparei com situações em que uma pessoa era aplicada
aos estudos e pregava explicando direitinho as Escrituras e por isso era
considerada “muito acadêmica”.
O
praticismo tem inculcado em algumas pessoas a ideia de que tudo que é profundo,
bem elaborado, refletido, discutido e planejado é academicismo e não prático. Os
praticistas vivem na base do fundamento mais rápido e fácil; as estruturas
eclesiásticas, o culto e a vida cristã são desenvolvidos “de qualquer jeito” ou
apenas imitando algum modelo pronto que deu certo e até mesmo seguem a ideia do
“vamos fazendo” para ver no que dá. Normalmente os praticistas não gostam de
planejamento, reuniões, discussões e estudos teóricos e de casos. Na maioria
dos casos, adotam modelos que deram certo com outros ou no caso da vida
religiosa super-valorizam a experiência pessoal e o empirismo. Há um valor
nessas coisas e a prática acontece no exercício de experiências, podemos até
afirmar que a experiência confirma a doutrina; o que é negativo é o uso que o
praticismo faz desses elementos do conhecimento. Nosso objetivo é defender a
prática e denunciar como algo nocivo o praticismo tão presente em nosso meio.
O
praticismo ganhou muita força com o Pietismo. Este movimento teve início na
metade do século XVII, os historiadores tem marcado seu ponto de partida com a
obra de Philipp Jakob Spener (1635-1705). A obra se chama Pia Desideria.
Segundo pesquisadores do movimento, o pietismo foi uma reação à ortodoxia
luterana na Alemanha e posteriormente ao movimento puritano. Eles desenvolveram
uma ideia de que a ortodoxia protestante era muito rígida e priorizava a
doutrina e uma religião nominal. Sabemos que essa interpretação, principalmente
em relação aos puritanos é fantasiosa, pois qualquer pessoa mudará de ideia ao
ler as grandiosas obras dos puritanos sobre “prática” e “vida cristã”. Algumas
expressões foram marcantes para o pietismo; como: “vida versus doutrina”, “Espírito
Santo versus ofício do ministério” e a busca pela “experiência religiosa”. O
ideal pietista era a conversão pessoal, interpretação livre das Escrituras sem
apoio das confissões e dogmas e auto-satisfação pessoal. Spener apoiava a
necessidade de formação teológica, porém o ponto principal da vida cristã é a
experiência religiosa.
O
pietismo do tempo inicial foi renovador para a vida da igreja e contribuiu para
várias denominações e o avanço missionário, porém ao longo dos anos foi
modificando sua firmesa bíblica e priorizando a experiência, o que fortaleceu o
liberalismo e o misticismo evangélico. O pietismo moderno no contexto religioso
brasileiro aliou-se ao pragmatismo e o resultado tem sido devastador. De acordo
com a tese do Dr. Geovál Jacinto, o pietismo influenciou a maioria dos
seminários no Brasil e tem participado no processo de formação da maioria dos
nossos pastores[1].
Um pietismo aliado a uma boa formação e com bons fundamentos doutrinários pode
ser uma benção para a igreja, mas um pietismo praticista leva a igreja para uma
abertura nas inovações e práticas não bíblicas.
Talvez
a Reforma que estão pedindo ou uma alternativa ao pragmatismo e praticismo seja
o retorno a verdadeira ORTOPRAXIA.
Esta busca desenvolver uma prática eclesiástica e religiosa tendo como
fundamento princípios bíblicos e inegociáveis. É uma junção entre ortodoxia e
prática. Na perspectiva puritana a ortodoxia funciona como “um trilho da fé”, ela fornece as bases e direções para as
estruturas, seja na comunidade ou na devoção pessoal.
O
que é ortodoxia?
Ortodoxia
é seguir corretamente os ensinos da Escritura, através de uma interpretação
gramática, contextual e teológica, sendo fiel ao texto e doutrinas
fundamentais. É seguir à sã- doutrina ou como diz em Atos 2.42, “perseverar na
doutrina dos apóstolos”. As bases da ortodoxia protestante são: A singularidade
de Cristo através da lei e o evangelho e a autoridade e suficiência das
Escrituras (Bíblia). Tudo que somos e acreditamos passa por esse crivo, se não
for assim, estamos fadados ao subjetivismo e inovações. Por isso, “o ensino
bíblico/teológico é essencial para o líder e sua igreja, porque os ensinos
lastram nossas crenças e, consequentemente, impõe-nos suas ações”.[2]Nossas
práticas religiosas são determinadas pelas nossas crenças, sejam aquelas
aprendidas em nossa comunidade de origem ou crenças que nós mesmos produzimos
em nossas reflexões teológicas particulares.
Por
essas razões, a ortodoxia funciona como um trilho nos conduzindo a uma prática
segundo a vontade de Deus revelada nas Escrituras. É assim que se fundamenta
nossa prática, a qual chamamos tecnicamente de ortopraxia. A ortopraxia deveria
se basear em dois princípios que norteam a vida cristã e a eclesiologia em todas
as coisas:
1º
A busca inegociável pela glória de Deus
Em
primeiro lugar essa busca acontece no culto. O propósito de Deus é criar uma
família parecida com seu Filho para receber adoração através do culto da vida e
do culto público do povo de Deus. O culto da vida é a santidade, devoção
pessoal com Deus e a transformação da sociedade através de uma mente reformada,
redimida pelo Espírito Santo. No culto público, isso acontece na simplicidade
da pregação da Palavra, nas músicas de exaltação, nas contribuições e na
eucaristia. O culto é totalmente direcionado a Deus, no culto evangélico não há
elementos que satisfaça o homem, pois a glória de Deus e somente isso é nossa
satisfação e desejo.
Depois
é importante considerar que a glória de Deus alcança áreas da sociedade em
geral. O cristão é responsável para trazer essa glória para a política. “Fazei
qualquer coisa para a glória de Deus” (1Cor 10.31). A política deve expressar a
glória na prática do bem (Rm 13), ela existe para que tenhamos uma vida
tranquila, mansa e com ordem (1Tm 2.1-7). Na pratica da justiça e buscando o
bem comum para o bem estar do ser humano, a política glorifica a Deus; o
contrário disso, produz a ira de Deus!
Também
expressamos a glória de Deus na família. A família é o ideal de Deus para o ser
humano, não apenas porque Ele nos dá esposas e filhos, mas porque Ele mesmo
está formando uma família. O próprio Deus tem escolhido pessoas em todas as
nações para a adoção de filhos. Estávamos perdidos, mortos, órfãos e sem
direção; por isso, Deus em um ato de amor e livre graça, mesmo eu não merecendo
e sendo completamente rebelde me chamou, mudou meu coração e me adotou!! Deus,
somente Deus!! Eu te amo, obrigado Pai! Nossa família, constituída conforme a
orientação bíblica, expressa a vontade de Deus e serve de exemplo para a
organização da igreja. A igreja é uma extensão do lar: Governo pelo pai,
auxílio da mãe e filhos em crescimento e disciplina, por isso que se diz: “O
que não governa bem a sua casa, não pode governar a Igreja de Deus” (1Tm
3.4-5).
Finalmente
a busca pela glória de Deus na administração eclesiástica. O pastoreio da
igreja deve ser “como Deus quer” (1Pe 5.1-4). Ninguém tem o direito de usurpar
o plano de Deus para Sua Igreja e modificar suas estruturas, a Bíblia continua
sendo a “regra” de fé. É muito comum hoje encontrar estruturas que mais se
parecem com empresas seculares ou com clubes do que com igreja. Já conheci uma
igreja que acabou com os presbíteros e os diáconos passaram a ser os
“gestores”. Alguns “cultos” são reuniões de negócios ou fonte dos desejos.
O
pastor deixou de ser Ministro da Palavra e conselheiro e passou a ser
administrador, não cuida mais do rebanho, mas faz a igreja crescer e aumenta os
rendimentos. Ainda é possível encontrar pastores que se tornaram gurus,
alimentando as superstições do povo.
A
Bíblia dispôs tudo o que é necessário para o cuidado do rebanho. Os presbíteros
governam espiritualmente e supervisionam a igreja. Temos nas Escrituras três
designações para isso; o pastor (cuida do rebanho), bispo (supervisiona a
comunidade) e presbítero (o que preside), essas três designações são figuras de
um mesmo ofício e pessoa. Também temos o diácono, este cuida da ordem da igreja
e do serviço social, aqui é possível perceber um cuidado mais administrativo do
que aquele requerido do presbítero.
2º
A missão de Deus
Outro
conceito que deveria nortear a prática (ortopraxia) é o da missão de Deus. A
missão como defendo aqui não é a busca por relevância a qualquer custo ou
aquele praticismo fundamentalista que somente tem olhos para a alma das
pessoas. A missão de Deus refere-se à obra da redenção em Cristo Jesus, desde
os tempos eternos, a fim de resgatar a criação caída em todos os aspectos da
vida humana. A prática cristã precisa considerar que o propósito de Deus inclui
toda a criação, é preciso trabalhar para que o homem redimido restaure os
elementos não humanos e faça-os expressar a glória de Deus, tanto no domínio,
como na sujeição do homem. A ideia do mandato da criação e cultural.
Outra
manifestação da missão é a promoção de justiça, em uma sociedade pecaminosa é
essencial que a igreja tenha voz profética. Essa voz profética não é aquela
declaração ridícula e supersticiosa de poder das palavras ou ato profético tão
comum nos neopentecostais, mas é denunciar o erro, o pecado e a injustiça
político/social e lutar em prol do necessitado e pelo estabelecimento da
justiça pelos governantes. É a justiça do Reino para a alegria e paz dos
cidadãos da terra, até habitarem a cidade celestial.
Também
vê-se a missão na propagação do evangelho do Reino por todo o mundo. Chamamos
esse aspecto da missão de evangelização mundial. Conforme as Escrituras, Deus
tem escolhido pessoas em todas as nações, línguas e etnias para a vida eterna
em Cristo Jesus; podemos afirmar que pelo caráter eterno, esse aspecto é mais
importante na ordem das coisas de Deus. A cidade dos homens é caracterizada por
coisas temporais e limitadas, aqui tudo passa, mas a cidade de Deus é eterna e
a redenção eterna transformará tanto a alma, como esse corpo mortal e temporal.
Se desejamos a imortalidade, precisamos priorizar aquilo que é espiritual, ou
seja, investir nas almas para sua redenção, sem se esquecer do corpo. Fazer a
obra completa, mas se tiver que escolher, não trocar a ordem e buscar a redenção
espiritual.
Essa
missão é mundial. Ninguém tem o direito de limitar sua ação e nem mesmo de
escolher priorizar seu próprio território. A igreja evangeliza em todos os
lugares ao mesmo tempo, por isso, nossas igrejas precisam enviar missionários e
orar, ao mesmo tempo em que a grande maioria dos membros ficam para evangelizar
a cidade. Certa vez um jovem procurou um pastor e disse: “pastor quero ser
missionário, Deus tem me chamado para outro país”. Esse pastor respondeu: “nós
não vamos te enviar, pois nosso chamado é com nosso bairro”. Isso é antibíblico
e mundano, pois o chamado de Deus é mundial e todos devem participar, não há
desculpa nenhuma. Querido irmão e pastor, se você e sua igreja não estão
envolvidos com a missão, sinto dizer que vocês estão fora da vontade de Deus.
Se sua igreja é pequena e tem sido usada como desculpa para não enviar dinheiro
para missões, eu sinto muito, pois sempre será pequena, mesmo com centenas de
pessoas.
Conclusão:
A
missão de redimir o mundo pela obra de Cristo é a mais sublime e maravilhosa
tarefa do ser humano. Deus nos chamou para cooperar e nosso serviço redunda em
glória ao Bondoso e Soberano Deus! O Ser e as compreensões corretas devem vir
antes da prática. Por exemplo, Paulo expressa a doutrina da ressurreição e
estar com Cristo para depois expor os imperativos de “fazer” (Cl 3). “Os
indicativos nos encantam e instrui para vivermos os imperativos” (Heber Jr.).
Sempre foi assim nas Escrituras.
Quero
com esse artigo convidá-lo à prática, mas a prática do evangelho e não do
pragmatismo e praticismo – Deus seja louvado!!
Deus seja louvado. Uma boa rreflexão.
ResponderExcluirPastor, obrigado pelo excelente artigo. Tenho aprendido muito com o amado pastor sobre a seriedade da obediência a sã doutrina e viver uma vida de santidade.
ResponderExcluirDesculpe, quem escreve é o irmão Elias Neves, CTM Cuiabá-MT
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