9 de março de 2016

Dilemas de um CONSERVADOR

Quando eu era adolescente costumava ouvir de minha mãe: “você é 8 ou 80”. Eu sabia que minha mãe estava dizendo que eu era muito radical, tinha convicções profundas em minhas decisões e me mantinha com certas dificuldades em aceitar inovações e mudanças de ideias. Um pouco mais jovem percebi que não houve mudanças.

Muito cedo me envolvi com dois movimentos urbanos, um mais ideológico e outro mais literário e profano. O primeiro foi o Punk e o segundo Gótico. O primeiro produziu em mim a política; me tornei bakunilista (anarquista), um órfão da nação (dizer que eu usava em minha jaqueta), isso quer dizer: “antigoverno, antimilitar e antireligião”. O segundo me levou mais para o lado religioso; diferentemente dos meus colegas, eu era mais “negro”, profano e adorador da besta. Minha banda preferida era Christian Death e a música preferida Stars, que dizia ser “lúcifer” o número 1 e príncipe das nações.

Foi por isso, que aos 16 anos fiz um pacto com ele nos cantos do Armagedon (antiga casa de som na Rua. Augusta/SP). Minha mãe tinha razão e meus amigos também, eu era radical e sempre fui ao extremo das minhas convicções e fé. Por isso, eu defendia minhas ideologias, meus colegas e toda a estrutura do nosso movimento; também argumentava, argumentava e argumentava até convencer ou ser convencido.

Foi assim que me tornei um cristão; por meio da graça o Espírito Santo usando de instrumentos humanos me convenceu, na mente e no coração de que somente Jesus Cristo é a verdade e sua Igreja o único caminho para a verdadeira religião. Após ser convencido e ter a experiência de sentir meu coração mudar, depois de uma oração dramática fui entregue ao Soberano. Minhas palavras foram: “Senhor, se você é maior do que “lúcifer” e de fato é verdadeiro, quero amá-lo e serví-lo muito mais do que faço ao Diabo. Por favor, quero que o Senhor apareça para mim e fale comigo e assim que eu te conheça muito mais do que conheço o Diabo”. Me lembro que depois dessa oração nunca mais fui o mesmo e esse amor pelo Deus vivo e meu Salvador Jesus cresce a cada dia. “Eu te amo, oh meu Deus!”

Agora convertido, crente sem me envergonhar e Ministro da Palavra, percebo que meu temperamento e “jeito de ser” não mudou. É claro que agora eu não saio na mão e nem danço batendo ombro e cabeça e nem mesmo me jogo do palco (rsrsrsrsrs), mas nas firmezas teológicas, na necessidade de ser convencido e no desejo de convencer sou o mesmo. Quer dizer, continuo “8 ou 80”, “preto no branco” e “radical”. Só que agora eu entendo que na verdade eu sou e sempre fui “UM CONSERVADOR”. Não mais um conservador perdido, mas agora um conservador pela causa do Evangelho, um conservador que milita na religião de Jesus Cristo, a única verdadeira (regenerado e possuindo o fruto do Espírito). Além disso, minha formação teológica é conservadora e aqueles que mais tocaram minha vida eram todos conservadores.

Mas, o que é Ser Conservador?

O conservador no contexto religioso sofre com alguns dilemas. Não porque está com dúvidas entre alternativas, mas porque constantemente se encontra em situações muito difíceis. Eu diria que hoje o conservador é confrontado com muitas ideias “pós-modernas” e convive com um número muito maior de líderes moderados (usarei também o termo moderistas[1]). Isso o leva a crises e uma maior necessidade de em alguns momentos praticar o “isolamento cristão”[2].

Em alguns momentos tenho a impressão de que o conservador precisa se justificar o tempo todo, pois suas fortes convicções agridem a maioria; porque o ideal moderista é não ter convicção, é não se posicionar e não se indispor com ninguém. A postura conservadora é uma ofensa ao homem moderado. Este vê o conservador com as lentes da intransigência e do radicalismo; sendo assim, o conservador e o fundamentalista são a mesma “coisa” para o moderado e o liberal.

O conservador é aquela pessoa que defende princípios ortodoxos e se baseia em pressupostos como o conceito de verdade absoluta e a lógica como padrões de argumentações e tomadas de decisões. O conservador é um guardião de valores, que ele luta para conservar e divulgar para o bem da religião e da tradição que se fundamenta nas Escrituras Sagradas. Luta para conservar princípios, instituições e tradições que ele considera importante para o bem da sua religião e da sociedade. O conservador luta pela “verdade em amor” (Ef 4.15), pela paz e tranquilidade entendendo que Deus instituiu as leis e autoridades para o bem e a unidade, tanto na igreja, como na sociedade civil (Rm 13; 1Pe 2.13-17).

O conservador convive no meio de três grupos e será excluído pelos três e também difamado pelos três. Quem são? Porque desprezam e maldizem o conservador? Através de cada conceito e possíveis respostas vamos entendendo um pouco as angústias e dilemas de um conservador.

O primeiro grupo é o liberalismo. Um liberal é conhecido pelo apego ao racionalismo e o método histórico crítico na interpretação das Escrituras. Ele não acredita nas doutrinas fundamentais do cristianismo; como: nascimento virginal de Cristo, ressurreição corporal, milagres, inspiração e inerrância da Bíblia. O liberalismo recebeu forte influência do iluminismo e cientificismo no final do século XIX e século XX. Aqui não há nenhum tipo de compatibilidade com o conservadorismo, é uma relação definida e clara; não há comunhão com liberais e estes não suportam conservadores. Como as relações são definidas o conservador reage aos liberais com firmeza e repulsa.

O segundo grupo é o fundamentalismo. O fundamentalismo evangélico ganhou notoriedade no século 20. A principal obra que representa o movimento se chama Fundamentos (organizado pelo R.A Torrey (1856-1928). Foi um movimento de reação ao liberalismo e uma batalha para defender as doutrinas fundamentais do cristianismo como: nascimento virginal de Cristo, expiação substitutiva, inspiração e inerrância bíblica, ressurreição literal, etc.

Alguns institutos bíblicos e igrejas são resultados dos esforços evangelísticos do fundamentalismo. Na área da política eclesiástica foram adquirindo um status de rigor disciplinar. Ao longo dos anos foram se confundindo com a política e adquiriram uma postura mais bélica, intransigente e fechada (após 2ª Guerra). Se tornou um grupo restrito, sectário e sem envolvimento com outros evangélicos conservadores.

Minha impressão é que o fundamentalismo cristão é uma ideologia. Por essa razão, nossos irmãos consideram suas ideias inspiradas e sua estrutura hermenêutica como Palavra de Deus. Isso resulta em um coração fechado para argumentos e mudanças. Aqui há uma diferença significativa do conservador, pois este, mesmo tendo convicções fortes está aberto para o diálogo teológico e tem o coração disposto a ser convencido pelos argumentos bíblicos e teológicos. O que o conservador compartilha com o fundamentalismo nessa questão é a dificuldade com o modismo e o liberalismo.

Nas doutrinas fundamentais os conservadores e fundamentalistas estão juntos, mas no trato e na abertura para mudanças há uma clara diferença. Todo fundamentalista é conservador, mas nem todo conservador é fundamentalista. Essa é a razão de algumas lutas e crises de um conservador, pois quando este se posiciona ele é agredido e tachado de fundamentalista.   

Quero ser repetitivo nisso! Qual a diferença entre fundamentalismo e conservadorismo? O primeiro confunde estrutura teológica e hermenêutica com a Escritura. Defende seus pressupostos como inspirados e sua versão da Bíblia como a única tradução legítima. O segundo possui convicções profundas, por isso quer ser convencido por argumentos e pela razão. Ele busca diálogo e se dedica à discussões e novas pesquisas, sempre em busca da verdade e daquilo que é melhor para a glória de Deus. O conservador reconhece como cristão a tolerância, inclusão e o diálogo; porém não aos moldes do relativismo e da inclusão de grupos moralmente orientados.

O terceiro grupo é o moderismo (moderado). Eu chamo hoje de moderismo o movimento que no século XX denominavam de modernistas. A diferença é o contexto histórico e no caso do Brasil a influência freireana. Os modernistas representavam as novas tendências eclesiásticas e doutrinárias, por isso deram espaço aos liberais e inovações, mesmo que se declarassem conservadores na Confissão. Os moderistas se declaram ortodoxos na doutrina, mas hoje dão espaço tanto ao liberalismo, como ao neopentecostalismo. Algumas denominações sofrem mais com o liberalismo e outras mais com o neopentecostalismo, talvez isso dependa da tradição teológica ou litúrgica de um e de outro.

O homem moderado é aquele que não se define. As afirmações religiosas dos moderistas não são identificadas com nenhuma teologia. Eles representam mais uma atitude do que doutrina. Eles são mais envolvidos com um estilo de vida criativa, inspirados pelo cristianismo do que com uma ortodoxia. Os moderistas estão comprometidos com um projeto de não defender a instituição e a tradição. Eles aceitariam aqueles que são leais aos padrões herdados e cooperariam no serviço cristão e trabalham para introduzir outros, assim mantém a consistência, pois seria inconsistente exigir que outros aceitem a sua “ortodoxia”.

O ideal do moderista é ser relevante e expandir um cristianismo relevante a toda a humanidade. Eles buscam ser flexíveis e tolerantes, todos os que servem ao “Reino” e lutam pelo “cristianismo” são bem vindos, independente da tradição e das inovações. Os moderados também retém os documentos do passado para que suas posições e doutrinas não sejam conhecidas. Por essas razões, é inaceitável para o moderista posicionamentos teológicos e eclesiásticos e há grande indisposição para a disciplina e rigor institucional. O resultado disso é que algumas denominações históricas já estão entregues ao liberalismo e outras sem problemas com o liberalismo são atacadas com práticas neopentecostais.

O moderado é mais animado com a natureza humana e com inovações e mudanças. O conservador não busca inovação/revolução, mas apela para a constituição estabelecida. Ele se preocupa com reforma, porém busca saber o que reformar/mudar e como fazer, desde que seja fiel aos padrões bíblicos e tradicionais. O conservador entende que precisa deixar espaço para melhorias futuras. As mudanças devem ser para conservar e frutificar e não para inovar. Os valores e princípios das instituições/tradições passam pelos testes do tempo e principalmente pelos testes escriturísticos. O liberal rejeita esses padrões e o moderado abre as portas para os liberais e para os inovadores e ambos tem ojeriza do conservador. O conservador considera o moderismo um mal: "para que o mal seja bem sucedido, é somente necessário que os bons não façam nada” (Edmund Burke).

O moderismo no Brasil tem seguido os passos de Paulo Freire. No dia 13 de abril de 2012, Freire foi reconhecido como o patrono da educação no Brasil. Esse reconhecimento se deu por suas teses de “modelo de ensino horizontal”, autonomia do indivíduo e uma liberdade centrada no homem. É certo que a pedagogia de Freire trouxe influências boas no processo de ensino aprendizagem, pois motivou mais participação dos educandos, inclusão dos pobres e novas pesquisas de alunos e não apenas dos professores. Porém na prática, as implicações do modelo de educação em que o aluno está no mesmo nível do professor e que o indivíduo é autônomo e não pode sofrer restrições, podendo viver por sua própria responsabilidade tem promovido uma sociedade e religião libertina, imoral, sem respeito a autoridade constituída e uma rejeição à normas, instituições, tradições e ordem – é antinomista na prática. A abordagem freireana tem sido ao meu ver o maior problema na educação e religião no Brasil, tanto no contexto católico, como no protestantismo não reformado.

O homem moderado brasileiro se encaixa nos padrões freireianos. O próprio Freire diz que o educador deve acreditar “verdadeiramente na autonomia total, liberdade e desenvolvimento daqueles que ele ou ela educa”. Essa ideologia do “pensador anarquista” leva o indivíduo à libertação, ou seja, ele se liberta de sistemas que oprime, que sujeita ou que nos rege por prescrições. Por isso, Freire propõe uma educação ligada aos direitos humanos.[3]    

Por que o conservador sofre com os moderados?

O conservador não é entusiasta com a natureza humana como os freireanos, pois sabe que é corrompida. O conservador reformado mais ainda, porque sua tradição teológica vê claramente os efeitos da queda e sabe que as instituições, leis e princípios são resultados da graça de Deus para preservar a ordem e a justiça, tanto na comunidade local, como em toda sociedade em geral, civil e religiosa. O homem escravo do pecado precisa ser restringido e o salvo guiado para a santificação e aquilo que é moralmente correto.

O conservador entende que a autoridade das instituições estão em seus documentos e não em uma pessoa. Por isso, o presbítero é aquele que governa segundo a Escritura e os documentos exigidos pela lei. O líder cristão é escolhido para executar e aplicar a constituição e manter a disciplina sobre os impenitentes. Em uma denominação conservadora a figura do líder não será legisladora ou oligárquica, mas será aquele que preserva as leis, decisões conciliares e a boa ordem da instituição. O mesmo deveria ser aplicado a política e a economia, pelo menos na república e no capitalismo.

O conservador estima as instituições porque entende que a providência divina atua através das pessoas organizadas em benefício do Reino. A autoridade é ministro de Deus quando serve nas estruturas institucionais (Rm 13). Os órgãos são reguladores e formam uma tradição e esta quando é provada pelo tempo e confirmada pelas Escrituras produzem grande benefício ao Reino e favorecem ao cumprimento da vontade de Deus.

Por essa razão, o conservador se sujeita à autoridade, se submete e divulga as decisões dos órgãos máximos (assembleias, concílios, etc) e ainda trabalha em defesa dos Estatutos e Regimentos. O conservador não é um cismático e nem se aplica a politicagem, pois seu temperamento e convicções o levará a dar a vida pela unidade; e a boa ordem serão suas prioridades, mas não sem discussões e disciplina. O liberal é antitradiçao, rejeita dogmas e favorece a anarquia institucional. O moderado "deixa pra lá", sorrateiramente não segue as decisões supremas e para manter seu status finge não acontecer nada.  

O moderado despreza a importância das estruturas e por essa razão valoriza a informalidade, esta gera irreverência, a ilegalidade e por fim resulta a desordem social e religiosa. O líder moderado vai se dar bem com todos, aquilo que na política se chama populismo. No caso do conservador, este se enquadra no ditado: “profeta não se reelege”. Amigo conservador, seja bem-vindo ao contexto latino-americano!

Outra resposta possível do porque os conservadores sofrem com os moderados é o modus operandi. Há características de tirania no moderismo, pois até onde ele é aceito e exaltado a moderação atua, mas quando é confrontado e se sente ameaçado ele se torna conservador. A diferença é que o temperamento conservador confronta, embate e se expõe face a face; o moderado trincheira pelas beiradas, com “mansidão” e popularidade. Segundo um cientista político “a pior opressão que um ser humano pode enfrentar é de um moderado”.

O autoritarismo moderado se manifesta na informalidade, na desautorização institucional, não respeitando a ordem e a tradição. O conservador sofre essas investidas, ele é um problema no caminho do moderado. Eis aí o desafio para o conservadorismo brasileiro, tanto na política, como na religião. A paz e a tranquilidade do moderismo às vezes representa a arbitrariedade. A falta de embates, discussões e movimentações em muitos casos se torna a imposição silenciosa. Pois o trabalho de imposição se camufla em “amor” e palavras dóceis quando uma autoridade deixa de expor a verdade e de se submeter as leis. Essa atitude moderada quebra a democracia, o direito de expressão e a oportunidade de manifestação da verdade e por fim exalta a ilegalidade.

O conservador sempre sofrerá crises, críticas e mal entendidos por conta do seu temperamento, mas agora pelas Escrituras e pelo corpo de escritos conservadores deverá saber o que é e porque é assim. Como conservador peça sabedoria a Deus e coragem para defender Seu Evangelho, Sua Igreja e a verdade e justiça na política, educação, segurança e economia do pais, e ainda para levar o conhecimento de Deus à todas as nações, para sua glória e bel prazer! Sempre lute pela unidade da Igreja, pelo respeito às autoridades, pela honra do ministério e integridade do nome de irmãos piedosos; pela simplicidade e ao mesmo tempo a excelência, pois em todas essas coisas Deus é glorificado.

Em prol de Cristo e Sua Igreja,
Glauco Pereira




[1] Termo que passarei a usar para identificar o movimento dos moderados. No século XX eram conhecidos como modernistas e hoje também como progressistas.
[2] Termo usado por Gresham Machen em um momento de grande embate com os liberais.
[3] FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
_____________.Educação como prática da liberdade, 1986.
_____________.Pedagogia da autonomia, 1996. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário